quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Artigo

Fernando Ermirio*

A 19ª unidade de policia pacificadora, que consolida o projeto do governo do Estado, de tamanha exposição midiática nos faz esquecer que se trata de um programa de governo e não uma política publica; um programa de governo é provisório e sustentado com recursos limitados e com prazo definido para acabar que é o fim do governo que apóia o programa. Diferente da política publica que é obrigação do governo que administra a máquina pública, independe da sua (boa ou má) vontade, os recursos para sua execução devem estar declarados e orçados assim como suas fontes.
Embora os números deste programa sejam inquestionavelmente positivos por terem reconquistado territórios e livrado milhares de habitantes das mãos dos chefões do trafico até então tiranizadas por quadrilhas.
         Mas como expectadores de um espetáculo de mágica, ficamos impressionados com o resultado do truque e não olhamos o movimento das mãos, como mágica, por ser maravilhoso não perguntamos como foi feito.
Qual sua duração, de que é feita sua sustentabilidade? E não discutimos sua longevidade e sua ação no tempo.
         O príncipe foi escrito em 1525, entre muitas coisas diz que o objetivo principal do governante é manter o território e que governar é dispor as coisas não para levá-las ao bem comum, mas a um objetivo adequado a cada coisa de governar.
Outra passagem é sobre colocar um mau administrador que cumpre as ordens do príncipe sem que o povo saiba, que seja odiado pelos súditos o príncipe vem o assassinar sendo aclamado pelo povo.
         De volta a 2011, essas Favelas foram tiranizadas com a leniência do estado, na espetacular, showtimezada, ao vivo prisão do administrador Nem. Como num passe de mágica a imprensa esqueceu-se dos companheiros enviados pelo estado para dar cobertura e fuga ao traficante do estatal. Narrar o fato é desnecessário, mas a memória se encurta com tantos morteiros: 05 policiais foram presos dando cobertura ao traficante, não vou além do obvio.
         Me refiro a relação estado-traficantes, na convenção do PMDB deste ano foi dito que a Rocinha era território de um candidato.
Se continuarmos no discurso: estado ausente há 40 anos, não vemos que a política da ausência é a própria política do Estado aplicada à Favela, não vemos a ação do estado, no seu braço armado, municiar o trafico. Servir e proteger. Informar, prevenir, treinar os traficantes.
         Vamos cair na questão da prostituição: a mulher que vende o corpo. Aquele que paga pelo corpo não tem responsabilidade? Foi seduzido? Minha opinião é que eu duvido que a prostituta tenha vendido seu produto a prazo, para receber no fim do mês.
Só há prostituta por haver cliente. Não se trata do ovo e da galinha. O poder econômico determina a relação de poder entre a procura e a oferta. O cliente gerou a prostituta. A demanda definiu a oferta.
         O estado corrompido e viciado gera a corrupção. Primeiro o circo, o pão vem logo a seguir.

* Fernando Ermirio é Historiador formado pela PUC-Rio e morador da Rocinha



Rocinha

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Reportagem fotográfica: Uma semana de ocupação


Na primeira semana de ocupação da Rocinha pelas Forças de Segurança do Estado o fotojornalista Rafael Caetano registrou imagens tiradas nos becos, ruas e vielas da Rocinha.  

Multirão de serviços na Rocinha, os moradores esperam que serviços possam ser regular

Jovem tira a primeira via dos  documentos

Pelas ruas da comunidade agentes da prefeitura circulavam no sábado

Serviços regularizados, mas fora do padrão de consumo de muitos


Moradores tiram dúvidas com funcionários da Prefeitura

PMs fazem revista em van na Estrada da Gávea

Suspeitos são detidos por policiais civis 

Vida que segue: muitos moradores ainda não querem falar sobre a ocupação



Rocinha

O encontro

Flávio Carvalho*

Uma noite tensa e calma, é isso que posso dizer sobre a madrugada de 13 de novembro de 2011, dia da ocupação do Bope na Rocinha. Tensa pela possibilidade de um confronto armado entre policiais e bandidos, e calma por causa do silêncio, um silêncio que cala a alma. Era possível ouvir de longe vozes e gritos. Quem era? Do bem ou do mal? Não sabia. Somente se ouvia um silêncio, que logo foi partido pelo helicóptero da marinha.

Os rasantes, as idas e vindas do helicóptero, deixava-me cada vez mais apreensivo para o que aconteceria em seguida. Quando recebi a noticia do êxito da operação, saí de casa às 7h, com duas câmeras fotográficas, sentido uma grande esperança que tudo dera certo. No meio do caminho, encontrei um carro com quatro oficiais do Bope e um morador, todos eles parados em frente ao banco da Caixa.

Não pude perder a oportunidade, parei olhei para os olhos deles como quem diz, tenho que fotografar. Peguei do bolso a minha máquina pequena e fiz uma foto mais de registro do que artística, sem a preocupação com ângulo, luz e enquadramento.  Eu tremendo, ainda sentindo o medo que todo morador de favela sente ao se deparar com policiais do Bope, fotografei. Não fizeram pose.

O oficial sentado na borda da caçamba da pick-up disse um tanto ironicamente: “você tirou a foto, agora abre a mochila”. De pronto retirei a câmera profissional que estava em seu interior. Sem me mostrar, ele pôs a mão dentro da minha bolsa e procurou alguma coisa que com certeza não sabia o que era. Perguntou de onde eu era, o que eu ia fazer com a foto. Eu disse com a voz tremula, que participava de um site comunitário e que a foto poderia ser publicada lá.



Então ele me liberou. Quando fui tentar tirar mais uma foto, desta vez, de frente para o carro, o homem que estava no carona me impediu com uma ordem autoritária. Tirei-a mesmo assim. O resultado foi ruim, tremulo, assim como meu estado de espírito naquele momento. Ainda mais um último aviso dos oficiais: “Tá dominado”.


* Fotojornalista, estudante de jornalismo da PUC-Rio e morador da Rocinha

Rocinha

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Ocupação da Rocinha

Robson Melo*
Durante toda a semana a Rocinha foi notícia. Não havia possibilidade de se falar do Rio sem tocar na ocupação da favela. E como na grande mídia o “meio” justifica o fim, a cobertura desse “evento” prometia. A Pacificação da Rocinha ganhou requintes Hollywoodianos, o roteiro de cortes secos e sem grandes interpretações não agradou aos produtores de audiência. Do ponto de vista de um espetáculo, como foi a operação no Alemão, a comunidade da zona sul carioca decepcionou os amantes de factóide.
No sábado, dia que antecedeu a incursão policial, eu desci de minha casa, situada na parte intermediária da Rocinha, até a redação da TV Tagarela, na entrada da comunidade. No caminho conversei com dois amigos que saiam para o trabalho, um garçom, o outro pedreiro. Perguntei sobre a operação, de como as coisas ficariam por aqui.

De forma afinada os dois responderam que não sabiam de fato se iria funcionar, o pedreiro de 27 anos acrescentou; “E depois disso, vão fazer o que, você sabe? Nem eu, melhor nem eles e nem ninguém”, e finalizou; “Eu trabalho em obra desde os meus 16 anos, já me sinto cansado, carreguei muito cimento nas costas, mas até hoje não construí minha casa própria”. Esse depoimento é de fato uma preocupação dos moradores da Rocinha. Quando será a vez da habitação, lazer, educação e todos os serviços públicos a disposição das pessoas? A resposta vem de imediato e vem de um comerciante local; “Nunca meu filho, eles não moram aqui, os filhos tem motorista para levar na escola, na verdade eles têm escola de verdade, aqui a gente se contenta com o nada deles”. De início essas informações soavam contrastadas ao grosso que via e ouvia pela televisão e rádio. Mas quando se pensa no incômodo a reflexão assume seu papel e decodifica a situação. Bom a pacificação tira as armas de circulação, mas as feridas continuaram expostas, sem previsão de cicatrização. Despedi-me do comerciante e segui para a TV Tagarela.

Já passava das 14hs e a Via Ápia (umas das principais entradas)  estava tomada de fotógrafos, e claro tudo é novidade. Fiz algumas fotos da ação da polícia revistando alguns carros de passeio e caminhões de entregas, mas preferi mostrar os fotógrafos registrando o episódio. Retornei a Tv Tagarela.  Acompanhei pela Internet algumas notícias e às 19hs Passei de fato a cobrir a operação.

Dei uma volta pela Rocinha para continuar ouvindo alguns moradores, sempre informal e atento às conversas que não eram minhas. Se haveria confronto, apreensões, possíveis mortos, e claro a situação posterior a retomada de território. Das pessoas que ouvi, a maioria demonstrava contentamento com a pacificação. Dos argumentos prós, o maior era a possibilidade de criar seus filhos num ambiente sem armas e violência explícita. Em contrapartida uns demonstravam medo de um futuro território de milícia, afirmando que muitos que fariam parte da ocupação são pertencentes a grupos paramilitares. A discussão era boa.

Conversei com um morador que descia a estrada da Gávea, este que de início não se mostrou amistoso, ao saber que eu era morador, tornou-se bem receptivo.

Perguntei a ele no que a ocupação melhoraria sua vida. Em resposta um sonho de liberdade, de quem acreditou que saindo do nordeste encontraria vida boa no Rio de Janeiro. Questionei se só com a ocupação policial ele conseguiria tudo que sonhou conquistar, ele me fitou e depois de muito pensar disse; “Eu já estou velho, não terei tempo para correr atrás de tantas coisas, mas meu neto vai”. E em meio ao clima tenso que pairava no ar e o asfalto escorregadio por conta do óleo derramado na pista, vi que a esperança é algo realmente forte, capaz de tornar o sonho em um plano de realização. Não quis me despedir sem antes também perguntar qual o primeiro passo dele depois da instalação da UPP. E com os mesmo olhos cobertos de sinceridade e inocência ele diz: “Arrumar uma boa escola para ele”. Ouvi alí a proposta de pacificação humana, o processo vivo de cidadania. Agradeci ao senhor com um aperto de mão, que também o ajudou a levantar e seguimos em frente, cada um com seu sonho, cada qual com seu plano, mas ambos entendiam o caminho.

Mas acima na localidade conhecida como Fundação, em frente a paróquia Nossa Senhora da Boa viagem, um grupo de senhoras conversavam em voz baixa sobre a ocupação. Uma se dizia feliz, mas com pena dos “meninos”, nós vimos um monte crescer, conheço muita mãe. Uma outra completa; “pois é, terá muita choradeira.” Nesse momento me aproximei e me identifiquei. As senhoras ficaram nervosas e mesmo eu dizendo que era morador e que não iria expor ninguém, elas apenas me desejaram sorte e deram um fraterno sorriso. Como não prosseguir depois de receber uma benção coletiva dessas. Subi até o conjunto habitacional construído pelo PAC, a antiga garagem de ônibus, já estava noite e já entrei sabendo que seria mais difícil conseguir as entrevistas. Bati em algumas portas, as pessoas olhavam ouviam minha apresentação, mas me davam o não como resposta. Foi quando desci do prédio e um rapaz me parou, estava aparentemente embriagado e disse que me reconheceu como jornalista, que tinha me visto na televisão. Fora a citação de tinha me visto na televisão, aceitei o crédito de minha profissão. Perguntei a ele se estava indo para casa, que não havia muitas pessoas na rua. Em resposta o homem me abraçou, e disse que estava muito feliz, que estava sem trabalhos a mais de um ano. Perguntei porque não conseguia emprego e o que a ocupação tinha haver com essa mudança de quadro. O homem ficou sério e respondeu num tom quase sóbrio; “Você não mora aqui não, as pessoas lá fora pensam que nós somos amigos dos caras, um policial já me parou e disse que eu tinha cara de bandido. Quero ver ele falar agora.” Perguntei sobre o problema do desemprego e antes que eu pudesse completar meu raciocínio ele disparou; “Se aqui não tem bandido, já pode empregar tudo mundo direitinho.” Embora não tenha concordado muito com essa última fala, entendi qual o tamanho da luta. Depois de um pequeno trabalho para me despedir do homem que insistia em me abraçar, retornei a parte baixa da comunidade.

Em frente ao carro da polícia estava um vendedor da Sky, lembrei que durante todo o processo de ocupação essas pessoas estavam alí vendendo assinatura. Me aproximei de um que dava entrevista para uma amiga jornalista e me integrei para também perguntar. Segundo Alexandre Ângelo somente naquele dia ele tinha vendido mais de 20 assinaturas, e que sua comissão já estava em mais de R$ 3 mil reais. Falei para ele que a ocupação era um bom negócio, de prontidão o Alexandre disse; “Para Sky é uma ótima, todo mundo que tinha sinal ilegal vai assinar Sky, só tem ela aqui por enquanto.” E completou seu lógico raciocínio; “Depois que for pacificado as empresas que irão dominar por aqui”. E com essa fala agradeci ao Ângelo e retornei a redação para pegar minha câmera e aguardar a entrada da polícia.

Na redação soube que a primeira prisão ocorreu bem em frente aos policiais, um homem com sintomas de overdose foi encaminhado por alguns moradores e bombeiros para o atendimento no hospital de campanha montando em frente a entrada da Rocinha. Ele era fugitivo do presídio Bangu 8, onde cumpria pena por assalto a mão armada. O clima de ocupação começava a fazer efeito em mim.

As casas estavam todas com as janelas fechadas e cortinas cerradas, algumas vezes era possível ver as pessoas nas frestas, mas rapidamente saiam da janela. Dentro das residências, as pessoas acompanhavam pela televisão tudo o que acontecia em seus próprios quintais.

Às 4h10 começou a operação, os blindados da marinha chegaram com os carros dos policiais do Bope, Core, Federal, uma entrada rápida seguida por um grupo de fotógrafos e jornalistas. Segui o grupo até próximo a estrada da Gávea, mas ao contar o número de imprensa e o número de policiais, vi que a cobertura era o plano maior por aqui, a ocupação já estava assegurada. Conversei com alguns fotógrafos que concordaram e descemos na madrugada tranqüila da Rocinha.

Do Twitter e do Facebook eu postava as notícias dos acontecimentos. Acionava meus contatos, amigos moradores da comunidade e assim conseguia ter um apanhado geral da situação. Às 6h45 depois de uma ocupação silenciosa retornamos para dentro da Rocinha para registrar apreensões, prisões e o tão esperado asteamento da bandeira.

A ocupação foi rápida, tranquila e sem as fortes emoções que a mídia prometeu. Toda a fala que antecedeu a incursão foi sinopse de DVD. Se avaliado pelas promessas de espetáculo, a cobertura não passou de um filme de sessão da tarde.
   

* Jornalista formado pela FACHA e morador da Rocinha.

Rocinha

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Bope vasculha a casa de morador duas vezes no mesmo dia

“Eles deveriam colocar um sinal nas casas que já passaram”

A operação “pente fino” feita pelo Bope (Batalhão de operações Especiais) na Rocinha tem como objetivo encontrar esconderijos de armas, drogas e traficantes, mas alguns moradores têm reclamado da invasão de seus domicílios.

Um morador da Rocinha, que não quis se identificar, teve sua casa vasculhada pelo Bope duas vezes no mesmo dia. Segundo N, que é garçom, da segunda vez o soldado entrou na casa sem se identificar e começou a revista.

“Eles deveriam colocar um sinal nas casas que já passaram”, diz N. Há o medo da ocorrência do chamado espolio de guerra, quando policiais ficam com bens deixados por traficantes ou por moradores em suas residências quando vão trabalhar. A Folha de São Paulo relatou saques feitos por policiais durante a ocupação do Alemão.
A Secretária de Segurança Pública do Estado orientou que os policiais façam a operação " pente fino" sem mochilas, mas alguns policiais são vistos com pequenas bolsas pela comunidade.
Moradores tem questionado o fato do   artigo  841  do código civil não está sendo válido na Rocinha. Segundo o artigo do código penal há três condições para a polícia realizar busca domiciliar: a indicação da casa ou do lugar em que deve efetuar-se a diligência; a descrição da pessoa ou da coisa procurada e o destino a lhe dar; a assinatura do juiz, de quem emanar a ordem.

Rocinha

Crônica de um fotojornalista perdido na favela à noite


Rafael Caetano*




Domingo, 13 de novembro de 2011, 22 horas. A Rocinha está pacificada. A segurança dos moradores, agora, está nas mãos da polícia. A favela que se estende da Gávea até o São Conrado é um desafio não apenas para a logística de guerra do Estado, mas para quem se movimenta por ela. Inclui-se ai fotojornalistas.

O caminho da Estrada da Gávea na altura do número 385 até a Macega, parte localizada no morro dois irmãos, é longo e todo ele feito sem policiamento. Já são 22: 30. Alguém pergunta: “E agora quem vigia para não ter roubo na Rocinha?”, questiona o artesão Alessandro Silva, preocupado com a segurança. Ele mora na Rua dois e ganha a vida com artesanato. Seu medo: “ ter a casa roubada”, diz.

A subida até a Macega é feita por escadas inclines. A forte chuva que desaba sobre o Rio de Janeiro torna o caminho um rio. “Pelo menos limpa, já que a Comlurb não vem aqui” reclama Joana Mendes enquanto tenta conter o lixo que entra pela sua porta.

Por todo o caminho não se avista um policial. É noite e a segurança pública? Chego na Macega para fotografar do alto a noite da Rocinha já pacificada. A chuva e uma série de conversas com moradores pelo caminho me fazem mudar de plano. Quem sabe não saio daqui com uma matéria?     

A meia noite retorno sem foto e matéria.  Por todo o caminho não se vê um policial ou  uma boa foto. A chuva fina, a lama e o deserto das ruas, becos e vielas me fazem lembrar um gueto dos filmes sobre a segunda guerra mundial. Quem sabe Varsóvia?  

Perco-me. Não porque não saiba o caminho, mas porque todos pareciam perdidos naquela noite em que a liberdade e o indivíduo era algo a ser encontrado.    



*É fotojornalista, morador da Rocinha e estudante de jornalismo da PUC-Rio.  



    

Rocinha

ROCINHA, QUE PASSAS?

Rodrigo Torquato da Silva*

Estamos vivenciando no Rio de Janeiro o que muitos estão denominando de momento histórico de retomada de território. Gostaria de propor, para reflexão, uma questão bastante deleuzeana, norteadora do presente texto, “Rocinha, que passas?”

 Tenho estado frequentemente na Rocinha, tanto para o lazer com minha família (filhos, mãe e irmã) e com os amigos de infância – todos moradores – quanto para pesquisa, na qual realizo diálogos com as professoras de creches da localidade.

A partir desses encontros, pude perceber, após dar ouvidos aos muitos sons que ecoam na favela, que alguns fatos locais parecem coadunar com acontecimentos mais amplos, situados fora da singularidade do local. Por exemplo, ouvimos dizer que as lojas “Casas Bahia” e “Ricardo Eletro” tiveram que pagar uma quantia muito grande para poderem se instalar na Rocinha. O que esse fato tem a ver com a “pacificação e/ou tomada de território”? E mais, o que tem a ver com o contexto mais amplo da economia e da política do Estado? 

 Estamos vivendo um momento não só histórico, mas ambivalente. A retirada do território não atingirá somente aos bandidos na medida em que a favela for repartida entre empresários. As “legalizações” tendem a construir uma outra conjuntura não só política e econômica, mas, fundamentalmente, simbólica. Vimos que durante as operações, muitas empresas de turismos não adiaram suas visitas, pois estas já estavam previstas e previamente pagas por seus clientes, em pacotes de viagens que desconhecemos as cláusulas contratuais. Enquanto isso, minha família e meus amigos não podiam sair de casa para não correrem o risco de terem as portas arrombadas, conforme avisado pelas autoridades, caso não houvesse ninguém em casa.

 É interessante lembrar que, concomitante à euforia da “vitória” do Estado pela “pacificação da Rocinha”, presenciamos um outro fato que, no mínimo, provoca uma ambiguidade: a saída forçada do país, sob ameaça de morte, do deputado Marcelo Freixo, após o mesmo Estado que toma territórios não lhe garantir a devida proteção. Em entrevista a uma emissora de televisão, o Secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, ao ser questionado várias vezes acerca do por que as favelas com milícias não estarem na rota de enfrentamento da segurança pública, ele justificou dizendo que o Batan foi pacificado. Ora, sabemos que a participação da favela citada não tem nenhuma expressividade no que tange às articulações políticas, econômicas e bélicas que possam causar grandes impactos à conjuntura do Estado, quiçá do país.

Esses “sinais” evidenciam que estamos diante de um processo de desterritorialização concomitante a um processo de “re-territorialização” da Rocinha, em prol do segmento empresarial. Por isso, reporto-me à poesia do grupo “O Rappa”: “essa é a paz que eu não quero seguir admitindo.”



*  Oriundo da Rocinha, professor adjunto da UFF e coordenador do grupo de

Rocinha

domingo, 13 de novembro de 2011

O KU PAquê?

O helicóptero voando com seu barulho ameaçador de vôo baixo, me lembra a todo momento que aparentemente algo mudou lá fora. Em casa, que não é a minha, a lembrança do teatro dessa madrugada me faz querer escrever sobre o que tenho observado e refletido a partir das ruas, internet, TV  e de minha história e vida nos tantos lados de dentro de fora que são partes de mim.

É estranha a sensação que tenho de que esse é o único momento em que me dão o microfone e minha voz é ouvida. Por que não somos procurados em outros momentos para saber como estamos? Porque só aparecemos na TV assim? Se for só nesses momentos de encenação para a classe média, quando seremos vistos novamente como parte da sociedade pela sociedade, se ocupados já não somos motivo de matéria jornalística. Aliás começei a pensar sobre a palavra ocupação ... ocupa ... ocupar... quem ficará ocupado - recordo de dois sentidos da palavra ... o de preencher e de ter o que fazer? enfim ... delírios

As ruas vazias me chamam a atenção para o que se pode vir a partir de agora ... aluguéis mais altos, mais pessoas de fora morando na Rocinha, menos gente armada no caminho de casa, menos música alta depois das 22:30, menos ou nenhum baile com cerveja a 1 centavo ou liberada, menos moto táxi subindo e descendo, mais gringos nas ruas tirando fotos da paisagem da favela como favela e não como bairro, menos meninos armados e mais homens f ar d ados, mais antenas SKY nas paredes e lages - pois quanto mais próximos ficamos da ocupação mais promoções e pacotes de TV SKY foram vendidos e anunciados nas ruas que já se esvaziavam, bocas mudas sem promoção, policiais nas ruas e becos - fazendo o quê? Pagaremos o gatonet para quem?

Que serviço público vem com a UPP... o serviço da polícia?! ... vejo mais bancos e lojas abrindo ... isso  é o que vejo ... ouço pouco sobre o bom atendimento do posto de saúde na curva do S. O serviço privado ocupa de verdade o espaço com suas ofertas e promoções da idéia de melhor qualidade de vida  a partir das tão necessárias TVs de plasma, computadores (de fato necessários, mas com internet), celulares, colchões, comidas congeladas e enlatada. Quantas UPPs teremos, se antes eram várias gerencias distribuídas no espaço a fim  de melhor administrar o território ocupado.

Por ironia - ou simples coincidência - li essa semana uma matéria sobre as ocupações culturais e políticas (ocupa rio - Cinelândia, junto - teatro glaucio gil, manifesta... ), num desses cadernos do jornal O GLOBO, que estão acontecendo numa espécie de modismo aqui na cidade maravilhosa -  no movimento punk era chamado de OKUPA.  Esses grupos de artistas se inspiraram na polícia ou a polícia se inspirou neles? Pena que tais grupos de ocupação cultural não vem junto a polícia. Se for como no Alemão daqui a pouco teremos algum show, mas e depois? Será que finalmente o centro cultural da Rocinha será inaugurado e  com a ocupação dos artistas e grupos da própria Rocinha? Politicamente falando não há momento mais propcio para a abertura desse espaço, já finalizado em sua construção e conforto. Acho até que estava só esperando a ocupação da polícia para funcionar - atores com o papel protagonista desse jogo cênico. Os diretores, técnicos, camareiras, maquiadores e produtores estão na cochia. Sabemos quem são, mas não vemos e sem eles não teríamos esse perene espetáculo.